Firma o ponto minha gente
Preto Velho vai chegar
Ele vem de Aruanda
Ele vem prá trabalhar…
Era dia de “gira de preto velho” naquele terreiro. Enquanto os
consulentes chegavam ansiosos e esperançosos em levar de volta a
“solução” daqueles problemas que atrapalhavam suas vidas, na frente do
congá os médiuns vestidos de branco e de pés descalsos concentravam,
ligando-se aos seus protetores e guias.
O ambiente denotava simplicidade e era mobiliado apenas por algumas
cadeiras para acomodar os consulentes, poucas banquetas para os médiuns
que serveriam de “aparelhos” às entidades espirituais e o congá onde um
vaso de flores, outro de ervas e os elementos ar, fogo, água e terra se
faziam presentes. Acima, uma imagem de Jesus resplandescente de luz.
Iniciando-se a sessão através de pontos cantados e orações, após uma
leitura espiritualista elucidativa, iniciavam-se as incorporações de
maneira moderada. Do lado astral, as falanges de trabalhadores já haviam
chegado muito tempo antes dos médiuns e ali já haviam preparado o
ambiente fluidicamente. Uma varreduda energética havia sido feito pelos
elementais onde primeiramente atuaram as salamandras e após as sereias e
ondinas, fazendo com que toda a matéria astralina densa que ali se
encontrava, fosse transmutada permitindo a chegada dos espíritos
trabalhadores.
Na porta do ambiente, junto à firmação de ponto riscado e da presença
do elemento fogo, postava-se o guardião da Casa, Exu Gira Mundo,
impondo respeito e segurança. Num raio de 360º ao redor da construção,
uma guarnição dos caboclos na egrégora de Ogum formavam verdadeira
muralha armada, impedindo a invasão de seres indesejáveis ao bom
andamento do trabalho da noite. A construção toda estava no interior de
grande pirâmide iluminada na cor violeta, com grande e grossa placa de
aço imantado na parte inferior impedindo que o excesso de energia
telúrica desequilibrasse a polaridade positiva que era captada pelos
sete anéis giratórios que ladeavam a pirâmide, representando as Sete
Linhas de Umbanda. Cada um desses anéis destacam-se na cor fluídica de
seu Orixá e emitiam um harmonioso som diferenciado.
Cada um dos consulentes que adentrava ao ambiente passava agora
primeiro pela defumação que queimava junto à porta, em cumbuca de barro,
exalando o cheiro das ervas perfumadas sendo incineradas pelo carvão
vegetal. Equipes de limpeza se movimentavam no lado espiritual,
recolhendo as larvas astrais e outras espécies de energias deletéreas
que ali eram desagregadas dos corpos dos consulentes, as quais não eram
totalmente absorvidas pelo carvão ou transmutadas pelo elemento fogo.
Em alvíssimas vestes, os amados Pais e Mães, na sua roupagem fluídica
de Pretos velhos, trazendo a alegria estampada em sua energia, tomavam
conta de seus “aparelhos” médiuns, atuando no chácra básico dos mesmos,
obrigando-os a dobrar as suas costas à semelhança de velhos arqueados,
incentivando-os ao trabalho fraterno.
E assim, de consulente em consulente, de caso em caso, com a
paciência e sabedoria que lhes é peculiar, entre uma baforada e outra de
palheiro ou de alguma espanada com o galho de ervas na aura daqueles
filhos, os bondosos espíritos cumpriam sua missão. Eram conselhos,
corrigendas, desmanche de magia negra, de elementares artificias
negativos, limpeza e equilibrio dos corpos sutis, retirada de aparelhos
parasitas e às vezes, alguns puxões de orelha necessários, em forma de
alerta. Tudo de acordo com o merecimento do consulente, pois cada um
trazia consigo a mostragem de sua “ficha cármica” onde estavam impressos
o que a Lei permitia ser mudado, bem como o que ainda era necessário
que com eles permanecesse.
Vó Benta, espírito portador de grande sabedoria e humildade,
apresentando-se naquele local com o corpo astral de negra velha de
pequena estatura, com roupas simples e alvas, cuja saia comprida e larga
era coberta por um avental onde um bolso era recheado de ervas e
patuás, tinha uma maneira simplista e diplomática de fazer com que os
filhos entendessem que eles próprios eram seus médicos curadores:
-Minha mãe, acho que estou sendo vítima de “trabalho feito” pela minha ex mulher…
Sorrindo e com linguagem peculiar, segurava com firmeza as mãos do
moço passando-lhe com isso confiança e com a voz recheada de afeto
respondia:
-Negra velha vai explicar para que o filho entenda: – quando sua casa
está totalmente fechada, fica escura e nada pode entrar, às vezes nem a
poeira. Não é isso? Quando o filho abre as janelas e portas, a luz do
sol entra invadindo todos os cantos, mas podem entrar também as moscas,
baratas, formigas e até os ladrões, não é? Para a sujeira e os bichos, o
filho pode usar a vassoura, para os ladrões a lei, a segurança. E para a
luz do sol? Ah, essa filho, fica ali iluminando até que o filho feche
toda a casa outra vez. Assim também é a nossa casa interna; quando nos
fechamos para a vida, para o trabalho, ficamos no escuro e ao nos
abrirmos , deixamos a luz entrar mas ficamos sujeitos a todas as outras
energias que pululam ao nosso redor. Mas como acontece na casa material,
onde não houverem os atrativos da sujeira e do lixo, os insetos não se
aproximam. Se estivermos equilibrados, sem raiva, mágoa, ciúmes, vícios e
todos esses lixos que os filhos buscam na matéria, nada nem ninguém
consegue afetar nossa energia, nossa vida. Só o sol permanece no coração
de quem procura manter-se limpo.
Negra velha sabe que esse mundão está de cabeça para baixo. No lado
material os filhos andam desarvorados pela dificuldade de sustento de
suas famílias, quando não, em busca de supérfluos. Mas mesmo assim, é
preciso lembrar aos filhos, que embora estejam na matéria e sujeitos à
ela, a vida real está no espírito imortal. É preciso dar mais atenção,
senão prioridade, à essência em detrimento do restante, para que possa
haver o equilíbrio dos elementos inerentes à vida, na sua totalidade.
O mal que é enviado aos filhos, só vai instalar-se se encontrar no
endereço vibratório, ambiente adequado. Sem contar que, o medo é porta
aberta e atrativo para a entrada do desequilíbrio. O medo é sentimento
muito usado pelas energias da esquerda, uma vez que fragiliza o corpo
emocional facilitando sua atuação mórbida. Por outro lado, negra velha
pergunta para o filho: – se a desordem não houvesse se instalado, por
acaso o filho estaria aqui, sentado no chão, em frente à preta velha,
buscando humildemente ajuda espiritual? Nem sempre o que nos parece mal,
é tão prejudicial assim. Pode ser o remédio adequado para o momento, ou
talvez a estremecida necessária no corpo astral dos filhos, para que a
ordem possa reinstalar-se.
As trevas, meu filho, estão vinte e quatro horas de plantão. E os
filhos, acaso estão? Não adianta orar e não vigiar, pois o pensamento é
energia e com ele nos adequamos ao campo energético que quisermos.
Antes da hora grande as falanges da egrégora dos Pretos Velhos,
despediram-se de seus aparelhos, alguns precisando largar e desfazer a
vestimenta astral usada para que pudessem chegar até os aparelhos
mediúnicos e voltavam agora para as bandas de Aruanda, onde continuariam
suas atividades no mundo astral. Pois como diz a Vó Benta, “se pensam
que morrer é dormir e descansar, os filhos estão muito enganados…desse
lado tem muito trabalho e como nem o Pai está imóvel, quem somos nós
cuja ficha cármica demonstra um vasto débito, para nos aposentarmos?”.
Agora as velas apagam-se, os elementos voltam a integrar a natureza,
os elementais após limparem o ambiente retornam aos seus devidos reinos,
os elementares foram desagregados pela força e sabedoria dos pretos
velhos e os médiuns voltam aos seus lares com a sensação de paz que só é
sentida por aqueles que cumprem com seus deveres.
Preto velho já foi,
Já foi prá Aruanda,
A benção meu Pai
Saravá prá sua banda…
A.D.